sexta-feira, 14 de maio de 2010

Na Folha: Doações, Sindicância e as Bibliotecas

   
Hoje, na versão impressa da Folha, mais uma vez o destaque vai para a questão dos nomes das salas. Exatamente o campo em que desejam debater os opositores à mobilização dos Acadêmicos. Afinal, quantos não veriam com simpatia a preservação de recursos públicos quando a iniciativa privada é chamada a contribuir com as instituições de ensino públicas?

"Não é disto que se trata", dirão os colegas franciscanos. "O que se repudia, com unanimidade, é a forma ilegal e autoritária com que o processo foi conduzido". Perfeito.
 
Mas aí reside o problema. Esta explicação não vem aparecendo com clareza nas reportagens da Folha de São Paulo; e o grave problema das bibliotecas continua em segundo plano, não no destaque das materias recentemente publicadas. Como se comportará a opinião pública? E os antigos alunos da Academia, que não estão alinhados a nenhum dos lados, como perceberão a questão?

Se a decisão dos nobres acadêmicos for pela evidenciação do caso da nomeação das salas, então talvez seja necessário que os engajados em tal tema se organizem em ações de esclarecimento à imprensa, de forma mais direta, objetiva e contundente. 

Mais uma vez, ponderação é uma palavra adequada. Embora envolvidos pelo calor das discussões, de toda esta indignação que nos toma, não podemos deixar de avaliar se o eventual predomínio de uma versão contrária à nossa não se deve às nossas próprias falhas. 

Certamente, os alunos já manifestaram mais de uma vez sua indignação com os vícios formais do processo de nomeação das salas. Mas o discurso teria sido uniforme?

Esta é uma discussão em que ainda não ocorreu a mesma união e unanimidade que a questão das bibliotecas atingiu. E aí se incluem os atos do professor Casella, diretamente relacionados a elas. Havendo divergências internas, é um vasto campo a ser explorado pelos opositores. Afinal, tratamos de mentes brilhantes, de parte a parte  (com possível exceção, ressalve-se), apenas em posições antagônicas.

Não se admite que um coral se apresente sem que as diferentes vozes soem em harmonia. São as diferentes matizes de timbres que lhe dão textura e riqueza, mas é necessário que  seus integrantes estejam afinados e coordenados entre si para que não corrompam a obra em execução e não sejam alvo de críticas.

A seguir, reportagem de Uirá Machado, publicada na Folha de São Paulo, hoje, nas bancas.
 
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FOLHA DE SÃO PAULO, Caderno Cotidiano 2, p.C5, sexta-feira, 14 de maio de 2010.
   
Criticado, grupo da USP para de pedir doação
Homenagem a doadores em salas da Faculdade de Direito causou polêmica entre alunos e professores, que reprovam o ato

Entidade de ex-alunos diz que, em razão das críticas, interrompeu a arrecadação de verbas para viabilizar a reforma de mais seis salas
UIRÁ MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Responsável por arrecadar mais de R$ 2 milhões de apenas dois doadores, a Associação dos Antigos Alunos da Faculdade de Direito da USP parou de passar o chapéu entre ex-alunos após a reação negativa ao batismo das ultramodernas salas Pedro Conde (1922-2003) e Pinheiro Neto (1917-2005).

"Aqueles que protestam contra a escolha dos nomes estão discutindo o sexo do anjos e prestando um desserviço à faculdade. Com a confusão, tivemos que interromper a arrecadação de verbas para a reforma de outras seis salas", afirma José Carlos Madia de Souza, presidente da entidade.

A nomeação das salas foi determinada por portaria do ex-diretor João Grandino Rodas (atual reitor da USP). Alunos e professores questionam a legalidade do ato, que não teria observado os ritos necessários, e a pertinência da escolha, que rompe com a tradição de dar às salas nomes de ex-professores.

Segundo Souza, a discussão não existe. "Para nós, a única regra era prestar homenagem a ex-alunos, e isso Conde e Pinheiro Neto são. Os dois foram figuras muito bem-sucedidas e suas famílias resolveram retribuir a formação que receberam na faculdade."

Com a polêmica, ainda de acordo com Souza, ex-alunos que pretendiam doar quantias em torno de R$ 1 milhão voltaram atrás. "Quem quer ser objeto de protesto? Vai levar um tempo até que a gente consiga recuperar a confiança para obter novos investimentos."

Na faculdade, a sala Pinheiro Neto, localizada no piso térreo, teve uma das placas com o nome do patrono coberta por uma faixa preta. Outra placa foi arrancada da parede.


Contrapartida

Pedro Conde Filho, ex-aluno da faculdade, diz lamentar a reação dos alunos e afirma que não esperava os protestos contra o nome de seu pai.

"A faculdade precisa se modernizar, mas o Estado não tem condições de arcar com isso. Por que ex-alunos bem-sucedidos seriam impedidos de colaborar? Muitas faculdades, no Brasil e no mundo, adotam esse modelo. Agora, não dá para pedir contribuição e não dar nada em troca", diz Conde Filho.

Alexandre Bertoldi, em nome do escritório Pinheiro Neto, enviou no final de abril uma carta ao diretor da faculdade dizendo que a doação feita para modernizar a sala não exigia nenhuma contrapartida.


Frase

"Aqueles que protestam contra a escolha dos nomes estão discutindo o sexo do anjos e prestando um desserviço à faculdade. Com a confusão, tivemos que interromper a arrecadação de verbas para a reforma de outras seis salas"JOSÉ CARLOS MADIA DE SOUZA
presidente da Associação dos Antigos Alunos da Faculdade de Direito da USP

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Unidos, professores e alunos de direito pedem saída de vice

DA REPORTAGEM LOCAL

Se a comunidade acadêmica da Faculdade de Direito da USP se divide quanto à nomeação das salas Pedro Conde e Pinheiro Neto, o mesmo não se pode dizer quando entra em pauta o vice-diretor da instituição. Nesse caso, há uma virtual (e rara) unanimidade.

Paulo Borba Casella, o vice, foi um dos temas centrais de um ato organizado pelos alunos na quarta e o assunto principal da congregação dos professores da faculdade, ontem. Nos dois casos, uma única demanda: a renúncia de Casella.

O vice-diretor é acusado de tentar uma espécie de "golpe de Estado" na Faculdade de Direito. Na última sexta, segundo alunos, professores e funcionários, aproveitou-se da ausência do diretor, Antonio Gomes Magalhães Filho -então hospitalizado-, para tentar revogar uma determinação do colega.

O "golpe" teria o objetivo de evitar o retorno de parte do acervo da biblioteca da faculdade para o prédio principal da instituição. Ontem, na congregação da faculdade, Casella negou a acusação.

No início do ano, o ex-diretor João Grandino Rodas (atual reitor da USP) determinou que cerca de 160 mil livros da biblioteca fossem para um prédio anexo à faculdade. A medida fazia parte do projeto de modernização do curso, uma das principais bandeiras de Rodas.

Desde então, alunos e professores têm criticado o deslocamento dos livros. Afirmam que o prédio anexo não tem condições para abrigar a biblioteca e põe em risco o acervo. Por essa razão, o atual diretor determinou o retorno dos livros.

Segundo Sérgio Salomão Shecaira, professor de direito penal, Casella pode ser processado por tentativa de usurpação de função pública. No âmbito administrativo, a congregação da faculdade decidiu abrir sindicância para apurar as atitudes do vice-diretor.

Internamente, porém, alunos e professores afirmam em uníssono que não há condições para Casella permanecer no cargo. Para Diogo Coutinho, professor de direito econômico, a união contra o vice é impressionante. "Eu não vi nada parecido acontecer na faculdade nos últimos 20 anos."

Ontem, na saída da congregação, cerca de 200 alunos esperavam para protestar contra Casella. O vice-diretor saiu cercado por alguns professores, que temiam a possibilidade de agressões físicas. Shecaira estava entre os que o protegiam.

"Eu provavelmente fiz os ataques mais duros ao vice-diretor durante a congregação. Mas os poucos que o defenderam não ficaram até o final. Nós, os acusadores de Casella, achamos que deveríamos protegê-lo. Senti pena", afirma Shecaira.

Os alunos, porém, tinham planejado outra forma de protesto. Enquanto Casella passava pelo que se supunha um corredor polonês, os estudantes viraram as costas para ele.

A Folha tentou falar com Casella sobre o episódio, mas não teve resposta. (UIRÁ MACHADO e MÁRCIO PINHO)